Uma trajetória de defesa dos direitos e interesses da sociedade pernambucana começou há 132 anos. Em 17 de junho de 2023, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) relembra seu legado de quase um século e meio em promover justiça e cidadania, transformando vidas.
O MPPE tem seu berço no início do período republicano, com a Constituição Federal de 1891. Em 17 de junho daquele ano, é promulgada a Constituição Política do Estado de Pernambuco, que estabeleceu, pela primeira vez, o Ministério Público enquanto instituição responsável por representar o Estado, seus interesses, os da justiça pública e dos interditos e ausentes, perante os juízes e os tribunais. O chefe seria um Procurador-Geral do Estado. O primeiro deles foi o Promotor Público Armínio Coriolano Tavares dos Santos, nomeado em 1892.
Importante destacar que antes da República, não há como falar em Ministério Público de Pernambuco, vez que o Promotor Público tinha ligação com a estruturação da Justiça, gerida pelo ente central do Império. Apenas com a autonomia das províncias, agora estados federados, é que se pode compreender o surgimento de instituições próprias do Estado de Pernambuco. Entre elas a criação do Ministério Público de Pernambuco, que passa a de fato representá-lo como ente público autônomo na estrutura da federação.
Evolução - O tempo passou e aquele Ministério Público
de Pernambuco de outrora veio se transformando de acordo com os anseios sociais
e mudanças de paradigmas. Ao longo dos seus 132 anos, a Instituição cresceu,
adquiriu autonomia funcional, administrativa e financeira e teve seu campo de
atuação ampliado.
No final do século XIX, o recém-criado Ministério Público de Pernambuco era
chefiado pelo Procurador-Geral do Estado, que acumulava as funções de defesa
dos interesses da Fazenda Pública com a defesa dos direitos da sociedade de um
modo geral, quase que exclusivamente na área criminal.
Ao Procurador-Geral do Estado, estavam subordinados os
Promotores Públicos e os Curadores-Gerais de Órfãos, ausentes e interditos. Na
capital, atuavam três promotores públicos: o 1º servia como Curador dos Órfãos;
o 2º, como Curador de Interditos e Ausentes e Promotor de Resíduos; e o 3º,
como Curador de Massas Falidas. Em cada município do interior deveria haver um
Promotor Público, que acumularia todas as funções estabelecidas aos Promotores
da Capital.
Veio a Constituição Federal de 1946 e deu mais autonomia aos MPs. Estabeleceu
que o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais seriam
regidos por Lei Orgânica Própria, reforçando a independência entre as
instituições. Porém, em Pernambuco, sua organização ainda estava definida pela
Lei de Organização Judiciária, não em lei própria.
Com a Constituição Estadual de 1967, surgiu o cargo de Procurador-Geral da Justiça, que passou a ser o chefe do Ministério Público, desvinculando-se da representação judicial do Estado, que ficou exclusiva ao Procurador-Geral do Estado, mantendo-se o Ministério Público como um órgão auxiliar da Administração da Justiça.
Em 11 de setembro de 1969, o Decreto-Lei nº 83 trouxe a Organização do Ministério Público Estadual, até então definida pela Lei de Organização Judiciária. Além do cargo de Procurador-Geral da Justiça, o referido Decreto-Lei criou o cargo de corregedor-geral do Ministério Público, bem como o Colégio de Procuradores e a Secretaria-Geral do MPPE, proporcionando ainda maior autonomia à Instituição.
Foi ainda na década de 1960, precisamente em 1963, que o MPPE registrou a nomeação da sua primeira Promotora Pública, Maria Nely Lima Ribeiro, que assumiu a Promotoria de Justiça de Verdejante.
Constituição de 1988 - Até antes da Constituição da
República de 1988, apesar de algumas previsões esparsas de proteção aos
hipossuficientes e da defesa de direitos coletivos, o Ministério Público era
conhecido, basicamente, por suas funções criminais e como fiscal da lei.
Entretanto, com a promulgação da nova Constituição, teve ampliada de forma
considerável suas atribuições, em conjunto com garantias que lhe dão autonomia
administrativa e financeira, inclusive com a legitimidade legislativa para
propor leis, elaboração e execução de seu orçamento, criação, provimento e
extinção de cargos, entre outros.
Veio a promulgação da Constituição de 1988 e o Ministério Público deixou de ser
órgão auxiliar da Justiça para ser uma Instituição independente. Passa a ser
integrante das funções essenciais à Justiça. É reconhecido como defensor da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, tendo como princípios institucionais a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional.
Com seu redesenho constitucional, passa o Ministério Público a desempenhar, além de suas funções criminais e de fiscal da lei, também a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Passa ainda a atuar de forma institucional na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, tais como direitos coletivos ligados à defesa do meio ambiente, consumidor, pessoa idosa, criança e adolescente, patrimônio histórico, etc.
Assim, e tendo por base a previsão constitucional, foram promulgadas diversas legislações que instrumentalizam a possibilidade de atuação do Ministério Público em suas novas atribuições, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Código do Consumidor, Estatuto do Idoso, entre outros.
Nesse novo formato constitucional, os Ministérios Públicos
passam a modificar sua estrutura interna, com a criação de promotorias
especializadas em direitos da cidadania e criação de centros de apoio aos
promotores ligados a matérias que envolvem a defesa e promoção de direitos
coletivos e individuais indisponíveis.
Contudo, a autonomia funcional, administrativa e financeira definida pela
Constituição de 1988 só se concretizou nos anos de 1994 e 1996, com a
publicação da Lei Complementar nº 12 de 27/12/1994, a Lei Orgânica do MPPE, que
lhe conferiu autonomia funcional a nível estadual.
Raízes do MP - Apesar de não se tratar ainda de Ministério Público, é bom lembrar que já durante o período colonial (1530-1822) existiam na estrutura da justiça portuguesa os cargos de Procurador dos Feitos da Coroa e de Promotor da Justiça. Suas obrigações eram fiscalizar e executar a lei, além de promover a acusação criminal. Não raro, o Procurador acumulava ambos os cargos, juntamente ao de Procurador do Fisco.
Com a instalação do Tribunal da Relação, em Pernambuco, em 6 de fevereiro de 1821, foi criado o cargo de Promotor da Justiça da Vila do Recife, tendo sido nomeado para o cargo, Bernardo José da Gama, o Visconde de Goiana, em 13 de agosto de 1822. José da Gama foi nomeado Desembargador na Relação de Pernambuco, como Terceiro Agravista e Promotor da Justiça, primeiro da Relação de Pernambuco.
No período imperial (1822-1889), o Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de 1832, sistematizou a organização judiciária e as funções dos Promotores Públicos: denunciar os crimes públicos e policiais, assim como acusar os delinquentes perante os jurados. Também eram responsáveis por crimes de reduzir à escravidão pessoas livres, cárcere privado, homicídio ou a tentativa dele, roubos, calúnias e injúrias contra o Imperador e membros da família imperial; solicitar a prisão e punição dos criminosos e promover a execução das sentenças e mandados judiciais; dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e prevaricações dos empregados na administração da Justiça.
Com o advento da República, em 15 de novembro de 1889, e com
a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de
1891, é criado o cargo de Procurador-Geral da República, escolhido dentre os
membros do Supremo Tribunal Federal. A partir da estruturação do federalismo no
país, coube a cada Estado a elaboração de sua própria Constituição.
Combate ao crime - Desde a criação, cabe ao Ministério Público processar
quem comete crime, por meio da ação penal pública, como delitos contra a vida,
contra o patrimônio, o crime organizado e o tráfico de drogas. Dessa forma, o
Ministério Público busca que o responsável seja julgado por seus atos, a partir
de fatos comprovados, e punido pela gravidade do delito. Assim, o Promotor ou
Promotora de Justiça analisam as provas colhidas durante o inquérito policial e
avaliam se são suficientes para a abertura do processo judicial contra o
acusado. Somente o Ministério Público pode oferecer denúncia à Justiça. O Promotor
ou a Promotora de Justiça podem pedir novas provas à polícia e fazer as
próprias investigações para que inocentes não sejam condenados e criminosos não
fiquem impunes.
Modernização - As novas atribuições constitucionais
estabelecidas aos Ministérios Públicos ampliaram o campo de atuação do MPPE,
evidenciando a necessidade do quadro de membros e servidores, capacitados, a
informatização dos serviços administrativos, além da urgência em ampliar a sua
estrutura física, que em 1995 limitava-se, na Capital, a uma sala no Palácio da
Justiça e três andares no Edifício Ipsep, no bairro de Santo Antônio, no
Recife.
Nesse sentido, são formados grupos de trabalho para propor ações necessárias à
estruturação administrativo-financeira, que definiu como programas de atuação
em todo o Estado a modernização administrativa do MPPE, a promoção da defesa
dos direitos humanos, a defesa do patrimônio público e da regularidade dos
serviços de relevância pública.
No Governo Miguel Arraes, na gestão do Procurador-Geral de Justiça José Tavares, o MPPE conseguiu a sanção da Lei 11.375, em 11 de agosto de 1996, que o estrutura administrativamente, através da criação de até 480 cargos para servidores, mediante concurso público. O primeiro concurso realizou-se no mesmo ano.
A autonomia financeira e administrativa proporcionou a
estruturação do MPPE, com a aquisição de prédios próprios. Um exemplo é o
Edifício Promotor de Justiça Roberto Lyra (1996), atual sede do MPPE. Outro: o
imóvel nomeado Promotor de Justiça Paulo Cavalcanti (1998), sede das
Promotorias de Justiça e de Defesa da Cidadania da Capital. Some-se ainda a
construção de sedes para abrigar Promotorias de Justiça em diversos municípios
pernambucanos.
Ainda na década de 90, no campo da atuação ministerial, destaque para a realização
de concursos públicos para o cargo de Promotor de Justiça; a reestruturação dos
Centros de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça (CAOPs), atuais CAOs;
ações direcionadas ao cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
e ao desenvolvimento de uma política da infância e adolescência, incluindo a
instituição do Plantão Ministerial na Central de Triagem da Capital, além da
criação dos Núcleos Regionais - órgãos auxiliares do Caop Infância e Juventude,
no Sertão, Agreste e Zona da Mata; realização do I Seminário Estadual sobre o
MPPE com palestras sobre a atuação dos membros no processo eleitoral e na área
de entorpecentes; criação da Central de Inquéritos da Capital; reestruturação
das Promotorias de Justiça, com o acréscimo de mais promotores e servidores;
instituição do Programa Permanente de Visitas e Inspeções em Fundações Sociais.
O primeiro planejamento estratégico do MPPE veio em maio de
1999. Resultou, nos anos seguintes, na elaboração do Manual de Planejamento do
Ministério Público, cuja finalidade foi servir como memória referencial dos
trabalhos realizados e preservar o conhecimento adquirido na instituição,
acerca da metodologia e do instrumento de realização do planejamento
estratégico.
Ampliando a atuação - Na primeira década dos anos 2000, são criadas mais
promotorias especializadas em defesa da cidadania: Promotoria de Justiça de
Saúde e a Promotoria de Habitação e Urbanismo, a Promotoria de Justiça de
Defesa da Função Social da Propriedade Social, a Promotoria de Justiça de
Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa, a Promotoria de Justiça de Defesa
da Educação da Capital, assim como o Centro de Apoio às Promotorias de Justiça
Criminal. Em 2006, nasceu a Ouvidoria do MPPE, tendo à frente uma mulher: a
Procuradora de Justiça Gerusa Torres de Lima, no cargo de Ouvidora.
Observa-se na segunda metade dos anos 2000, a regulamentação da Central de
Inquéritos da Capital, além da criação de outras Centrais nas circunscrições.
Além disso, em conjunto com o Tribunal de Justiça, vieram melhorias nos
trâmites do processo judicial ao estabelecer-se que o Inquérito Policial
seguisse da polícia diretamente ao Promotor de Justiça.
Em 2018, o MPPE inaugurou o primeiro Núcleo de Não Persecução Penal do Brasil. As novidades trazidas pela Resolução CPJ 002/2018 incorporaram soluções alternativas ao processo penal, garantindo celeridade na resolução dos casos menos graves, proporcionando mais efetividade e celeridade à Justiça, que irá priorizar sua atuação no julgamento de crimes graves.
Eleições para PGJ - Com a nova Constituição houve a mudança ainda do critério de escolha do Procurador-Geral de Justiça pelo Governador do Estado, sendo a indicação precedida de eleição pelos seus pares, em uma lista tríplice. Inicialmente a disputa se dava entre os procuradores de Justiça. Tais critérios foram mantidos na Lei Orgânica de 1994. Depois alterados, em 2009, possibilitando que o Promotor de Justiça pudesse se candidatar ao cargo de Procurador-Geral de Justiça, sem que fosse preciso ascender ao cargo de Procurador de Justiça.
Os requisitos mínimos passaram a ser de 35 anos de idade e, ao menos, dez anos de carreira como membro do MPPE. Desta feita, cinco Promotores de Justiça já se tornaram Procuradores-Gerais de Justiça, inclusive o atual PGJ, Marcos Carvalho.
Em 2016, o MPPE dá um grande passo na consolidação do Projeto da Sede Única, com a doação do terreno da antiga CTU.
Revolução digital - Nos últimos anos, o MPPE entrou definitivamente na era digital com a Implantação de sistemas eletrônicos de documentos: SEI e SIM - Extrajudicial Eletrônico. A meta: zerar a produção de documentos em papel e agilizar as tramitações, com transparência na atuação finalística. Ainda investiu em um novo site para dinamizar a comunicação com a sociedade, assim como em postagens em redes sociais, onde já conta com milhares de seguidores que acompanham as notícias da instituição.
Pandemia - A situação acarretada pela pandemia da
Covid-19, em 2020, gerou um cenário sem precedentes, alterando intensamente os
processos de trabalho, rotinas e operação do MPPE. O teletrabalho foi
regulamentado e tornou-se condição de manutenção dos serviços oferecidos à
população pernambucana, em função das medidas restritivas impostas pelo cenário
de caos na saúde pública.
Mesmo com o cotidiano de trabalho alterado, o MPPE conseguiu se tornar uma
referência no combate à pandemia, não só em defesa da obediência às normas
sanitárias de higienização e distanciamento social para evitar o contágio,
assim como na fiscalização de serviços públicos, do uso de verbas destinadas ao
controle do Covid-19, na cobrança da aplicação correta das vacinas e
monitoramento da situação de colapso dos hospitais perante o grande número de
infectados.
Diálogo - Investir na aproximação com a sociedade e entender as demandas é uma constante no MP. Recentemente, em março e junho de 2023, realizou reuniões com movimentos sociais, onde coletou denúncias e problemas latentes que afligem diversos grupos que lutam por direitos humanos, de pessoas negras, indígenas, mulheres, de populações campesinas, entre outros, reunindo-os em um catálogo de demandas, que servirá de base para a atuação integrada de setores do MPPE daqui em diante.
Esta atividade faz parte
da orientação de maior visibilidade social dos trabalhos desenvolvidos pelos
Centros de Apoio Operacional (CAOs), em um movimento de aproximação com a
sociedade. Dessa forma, também se alinham com a necessidade de prestação de apoio
especializado às Promotorias de Justiça.
*Pesquisa histórica e redação realizada pela Divisão Ministerial de Arquivo
Histórico (DIMAH) e Comissão de Avaliação de Documentos (CAD).
*Edição e redação final da Assessoria Ministerial de Comunicação Social (AMCS).
*Fontes de pesquisa:
Albuquerque, F. S. (Coord.); Assis, V. M. A & Acioli. V. L. C.
(Orgs.). A face revelada dos Promotores de Justiça: O Ministério Público
de Pernambuco na visão dos historiadores. Recife: MPPE, 2006.
Acervo da Divisão Ministerial de Arquivo Histórico.
Constituição Política do Estado de Pernambuco de 1891.
Diário Oficial do Estado.
Lei nº 15, de 14 de novembro de 1891, e seu Regulamento, de 23 de janeiro de
1893. Ambas dispõem sobre a organização judiciária do Estado de
Pernambuco.