O Brasil variou
dois pontos e dez posições para menos no Índice de Percepção da Corrupção (IPC)
de 2023. O país registrou apenas 36 pontos e foi classificado na 104ª posição,
entre 180 países avaliados, se colocando ao lado da Argélia, da Sérvia e da Ucrânia.
O Índice de Percepção da Corrupção, divulgado anualmente pelo secretariado da
Transparência Internacional, sediado em Berlim, é a mais longeva e abrangente
avaliação da percepção da corrupção no setor público no mundo. No Brasil, a
avaliação é composta a partir de oito fontes (veja aqui a nota técnica).
Os países mais bem
classificados, na edição de 2023 do índice, foram a Dinamarca (com 90 pontos),
a Finlândia (87 pontos), a Nova Zelândia (85 pontos), a Noruega (84 pontos) e
Cingapura (83 pontos). Os países que obtiveram as piores avaliações, por outro
lado, foram a Somália (com 11 pontos), a Venezuela, a Síria, o Sudão do Sul (os
três com 13 pontos) e o Iêmen (16 pontos).
Com somente 36
pontos, o Brasil fica abaixo da média global (43 pontos), da média regional das
Américas (43 pontos) e da média dos países da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que ficou em 66 pontos. O resultado do
Brasil também ficou abaixo da média de um recorte de países classificados como
"democracias falhas" (48 pontos).
Na edição de 2023
do Índice de Percepção da Corrupção, a Transparência Internacional chama
atenção para a relação crítica entre a corrupção e o sistema de Justiça.
Sistemas independentes, transparentes e tecnicamente capacitados são
fundamentais para manter a corrupção sob controle. Por outro lado, impedir que
a ingerência do poder político e econômico, o suborno e outras formas de
corrupção comprometam a imparcialidade e integridade dos sistemas de Justiça é
fundamental para garantir que não se tornem instrumentos de impunidade ou,
ainda mais grave, de perseguição.
A corrupção no
Brasil, em 2023
Com o resultado
global do IPC, a Transparência Internacional – Brasil lança uma análise dos
avanços e retrocessos da luta anticorrupção no país no último ano.
Os anos de Jair
Bolsonaro na Presidência da República deixaram a lição de como, em poucos anos,
podem ser desmontados os marcos legais e institucionais anticorrupção que o
país levou décadas para construir. O primeiro ano do novo governo de Luiz
Inácio Lula da Silva na Presidência deixa a lição de como é (e ainda será)
desafiadora a reconstrução.
O pilar de controle
jurídico continua em situação crítica, negligenciado principalmente no resgate
da independência do sistema de Justiça. A nomeação do advogado pessoal do
presidente para a primeira vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) foi na
direção contrária da restauração da imagem de imparcialidade do principal
tribunal brasileiro, atraindo vastas críticas que repercutiram inclusive internacionalmente.
Posteriormente, a escolha do novo procurador-geral da República, ignorando a
lista tríplice votada pela categoria, rompeu com esta tradição que permitia
mais transparência e impessoalidade na escolha da PGR e que foi inaugurada pelo
próprio presidente Lula em seu primeiro mandato, mas que agora preferiu repetir
o método de escolha política de Bolsonaro, cujos efeitos desastrosos ainda são
sentidos no país.
Mais do que as
ações externas do Executivo (e do Legislativo) sobre o sistema de Justiça,
desafios ainda maiores vêm de dentro. Talvez nunca o Judiciário brasileiro
esteve tão permeado, até suas mais altas esferas, por interesses e transações
políticas e econômicas – pelo menos nunca tão explicitamente. Além da
influência política do "Centrão", relações impróprias entre juízes e
empresários (inclusive corruptos confessos) em eventos no Brasil e no exterior
marcaram o noticiário em 2023 e, apesar dos graves e evidentes conflitos de
interesses, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) rechaçou proposta de resolução que estabeleceria
regras moralizantes. Além dos empresários, o lobby advocatício e os
conflitos de interesses entre juízes e escritórios de parentes nunca se fizeram
tão evidentes e normalizados, inclusive com uma decisão do STF que derrubou
dispositivo legal, aprovado pelo Congresso, que impunha regras de impedimento
nesses casos. Esta situação geral e alguns casos individuais mais graves e com
efeitos sistêmicos chegaram a afetar a imagem internacional do país. O GAFI
(Grupo de Ação Financeira), mais importante organismo multilateral contra a
lavagem de dinheiro, publicou avaliação sobre o Brasil, em 2023, que trouxe
críticas à falta de regulamentações anticorrupção e anti-lavagem da advocacia
brasileira, destacando a resistência da OAB sobre a matéria.
Ainda mais grave, no relatório sobre o cumprimento pelo Brasil da Convenção
contra o Suborno Transnacional, a OCDE criticou a impunidade no país e deu
amplo destaque à decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, que anulou
monocraticamente todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (Novonor)
– o maior caso de corrupção transnacional da história, envolvendo mais de uma
dezena de países. Logo após a publicação do relatório, o mesmo ministro Dias
Toffoli, em outra decisão monocrática e sigilosa, suspendeu a multa de R$10,3 bilhões aplicada à
J&F (controladora da JBS) pelos crimes de corrupção que confessou em acordo
de leniência. A imprensa brasileira reportou que a esposa do ministro advoga
para a J&F. Em 2023, o país também falhou em resgatar a capacidade de
controle da corrupção no âmbito político. O governo Lula herdou no Congresso um
“Centrão” ainda mais poderoso e condicionado à captura de recursos bilionários
do orçamento público, através dos esquemas com emendas parlamentares – secretas
ou não. Apesar da decisão do STF que decretou a inconstitucionalidade do
orçamento secreto, governo e Congresso encontraram rapidamente arranjos para
preservarem o mecanismo espúrio de barganha, que manteve os velhos vícios do
esquema anterior durante o governo Bolsonaro: discricionariedade política e
opacidade na distribuição do orçamento da União.
Ainda nesse âmbito, já há sinais de piora nos termos atuais de barganha entre
governo federal e Congresso, com a reintrodução de outra grande moeda de troca
política: o loteamento das estatais. O governo vem pressionando pelo
afrouxamento da Lei das Estatais, tanto no Congresso quanto no STF – onde já
conseguiu uma vitória através de liminar do então ministro do STF Ricardo
Lewandowski. Os efeitos já começaram a ser sentidos na principal empresa
brasileira e foco de macro esquemas de corrupção, a Petrobras, com afrouxamento
de regras de blindagem política no estatuto da companhia e nomeações de
gestores atropelando vetos do departamento de compliance, inclusive
indivíduos investigados por corrupção.
No ano que completou 10 anos da Lei Anticorrupção (ou "Lei da Empresa
Limpa") no Brasil, não foi apenas a Petrobras que andou na direção
contrária. O maior grupo empresarial brasileiro, a J&F, vem atuando de
maneira agressiva na busca por impunidade e obtendo sucesso, através de
decisões altamente controversas no STF e na Comissão de Valores Mobiliários
(CVM). Além disso, o ano foi marcado pelo maior caso de fraude corporativa da
história brasileira e um dos maiores do mundo, protagonizado pela empresa Americanas.
Pesquisa da Transparência Internacional - Brasil / Quaest apontou, ainda, que a
maioria dos profissionais de compliance de grandes empresas no país
consideram que a aplicação da lei anticorrupção está estagnando ou diminuindo.
No âmbito do controle social da corrupção, houve avanços. A Controladoria-Geral
da União (CGU) reverteu quase duas centenas de sigilos abusivos determinados
pelo governo Bolsonaro e, mais importante, estabeleceu regras para prevenir
novas violações da Lei de Acesso à Informação. De maneira geral, o governo Lula
vem reestabelecendo a estrutura dos conselhos de políticas públicas, cujos
espaços de participação social cumprem papel relevante para o controle da
corrupção em diferentes áreas.
Observou-se também um resgate amplo da governança ambiental, com nomeações
técnicas e de lideranças respeitadas internacionalmente, o que permitiu que o
país reorientasse o combate ao desmatamento, ao garimpo ilegal e a outros
crimes ambientais, estreitamente ligados à corrupção.
Embora os progressos em 2023 tenham sido largamente insuficientes para reverter
os graves retrocessos dos últimos anos, cabe destaque ao que poderá ser um dos
maiores avanços do Brasil, em décadas, na luta contra a corrupção: a aprovação
da reforma tributária. Embora não tenha sido associada a uma política
anticorrupção, a reforma dará início a um processo fundamental de
racionalização e unificação de tributos, o que resultará em menos
discricionariedade na interpretação das obrigações tributárias, menos contenciosos
e, principalmente, menos possibilidades para a aprovação de regimes especiais
tributários (isenções ou outros privilégios a setores específicos), através do
lobby ou pagamento de suborno a autoridades. Portanto, se adequadamente
implementada, a reforma atacará estruturalmente um dos mais disseminados,
antigos e danosos focos de corrupção no Brasil, responsável por entraves
históricos ao desenvolvimento econômico e vetor central da desigualdade.
“Nos últimos anos o Brasil tem sofrido um processo de radicalização política e
deterioração institucional. Para efetivamente reverter essa tendência e
fortalecer uma cultura democrática no país, será essencial promover medidas de
transparência e integridade, que reforcem a confiança da sociedade nas
instituições” afirma Renato Morgado, gerente de programas da Transparência
Internacional - Brasil.
Sobre a
Transparência Internacional - Brasil
A Transparência
Internacional é um movimento global com um mesmo propósito: construir um
mundo em que governos, empresas e o cotidiano das pessoas estejam livres da
corrupção. Atuamos no Brasil no apoio e mobilização de grupos locais de combate
à corrupção, produção de conhecimento, conscientização e comprometimento de
empresas e governos com as melhores práticas globais de transparência e
integridade, entre outras atividades. A presença global da TI nos permite
defender iniciativas e legislações contra a corrupção e que governos e empresas
efetivamente se submetam a elas. Nossa rede também significa colaboração e
inovação, o que nos dá condições privilegiadas para desenvolver e testar novas
soluções anticorrupção.