O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aposentou compulsoriamente, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, um juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) por assédio e importunação sexual. A decisão unânime sobre o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 0006667-60.2022.2.00.0000 aconteceu na 8ª Sessão Ordinária do Conselho, na manhã desta terça-feira (23/5).
Pela primeira vez, foi utilizada, em um voto do órgão, a Resolução CNJ n. 492/2023, que torna obrigatória a aplicação das diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e promove a adoção dessa perspectiva em julgamentos do Poder Judiciário.
Relatora do processo no CNJ, a conselheira Salise Sanchotene descreveu cada um dos fatos envolvendo o juiz e suas vítimas. Os relatos incluem abordagens inapropriadas com toque físico e conversas sobre temas explicitamente sexuais. O juiz também fez uso do cargo como justificativa para convencer as possíveis vítimas a interagirem com ele de forma íntima.
O magistrado, que é professor de curso preparatório para a Ordem do Advogados do Brasil (OAB), segundo registros processuais, abordava as vítimas em seus locais de estudo, virtualmente e até mesmo no trabalho. As múltiplas formas de assédio iam de convites para sair, sob o pretexto de dirimir dúvidas do curso, conversas invasivas de cunho sexual, por meio de redes sociais, a beijos forçados.
Todas as mulheres – alunas ou servidoras do TRT-2 – que denunciaram ter sofrido assédio praticado pelo juiz chegaram a relatar as violências sofridas em pelo menos quatro oportunidades, conforme revelou a conselheira Salise em seu relatório. Os depoimentos das vítimas foram dados para a ONG Me Too Brasil, que tem o propósito de dar visibilidade aos relatos de abuso sexual silenciados, para a Ouvidoria das Mulheres do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para o próprio TRT-2, além do CNJ durante a apuração do PAD.
A conselheira determinou, ainda, em seu relatório, o encaminhamento do caso para novas investigações por parte da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Em seu voto, a conselheira determinou o encaminhamento dos autos à Corregedoria Nacional de Justiça “para a pertinência da apuração dos relatos narrados pelas testemunhas que extrapolam a delimitação contida neste PAD”.
Voto
A conselheira Salise apontou que a conduta do magistrado em relação à servidora do tribunal e às demais alunas – que se tornaram, posteriormente, advogadas –, afrontou princípios do Código de Ética da Magistratura. “A incompatibilidade da conduta com o exercício da magistratura é inequívoca e se coaduna com a aplicação da pena mais grave [prevista na Loman]”, destacou.
De acordo com a conselheira, a despeito da evolução crescente do ordenamento jurídico no que se refere à proteção aos grupos vulneráveis, a mera previsão legal pode ser insuficiente para a garantia de direitos. “Isso se dá especialmente se os julgadores permanecerem alheios a fatores histórico-estruturais que fomentam discriminações em decorrência de gênero, raça, orientação sexual, religião e outros marcadores sociais”, disse.
Salise defendeu que, para prevenir e combater o assédio no Poder Judiciário, a integração dos fatos à norma deve ocorrer de maneira amoldada às lentes de gênero e, ainda, adequadamente posicionada na esfera administrativa. “Deve sempre ser levado em conta qual o ambiente de trabalho é proporcionado àquelas pessoas incumbidas de viabilizar a Justiça no País, e o quão fundamental é que esse ambiente seja saudável, para não haver estranhamento entre a jurisdição prestada e a realidade vivenciada para prestar essa jurisdição – que se espera justa”, complementou.
Repúdio
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber, afirmou que os fatos e as condutas são de enorme gravidade, incompatíveis com o exercício da magistratura, merecem repúdio, causam repulsa, constrangem e envergonham o Poder Judiciário. “O que mais dói nesse processo é que as condutas eram adotadas e se invocava a condição de magistrado. Eu posso porque sou juiz. Esse processo é paradigmático enquanto reflete uma sociedade estruturalmente machista que invisibiliza as mulheres. E mais do que isso, as silencia”, disse.
O conselheiro Marcos Vinícius Jardim elogiou o voto da relatora, sobretudo pelo ineditismo da aplicação do protocolo com perspectiva de gênero. “O primeiro julgamento que é utilizada a temática do assédio sexual dentro do protocolo. Fica minha indignação. Como é constrangedor ler o depoimento de uma das vítimas que tinha medo de retaliação tanto acadêmica quanto profissional”, lamentou.
O ministro Vieira de Mello Filho, conselheiro do CNJ, defendeu que o Conselho sempre tenha em vista as pessoas vulneráveis. “Nossa Justiça é uma Justiça de pessoas vulneráveis. Lamentavelmente esse processo, com a força de todos os depoimentos, revela uma triste situação trazida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região”, afirmou.