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Abril Azul: autistas lutam para ter acesso a direitos

Apesar de leis estabeleceram uma série de garantias, o cotidiano das pessoas no espectro autista ainda é permeado de obstáculos

Publicada em 01/04/23 às 16:44h

Web TV e Rádio Nacional/Gabriela Knoblauch, com edição de Nicolle Expósito/ALES


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Abril Azul: autistas lutam para ter acesso a direitos
 (Foto: Canva)

A campanha nacional Abril Azul chama a atenção para a inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O mês foi escolhido por causa do Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, celebrado em 2 de abril.

Mesmo com a data sendo celebrada desde 2008, ano em que entrou em vigor a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (da qual o Brasil é um dos signatários), há um longo caminho pela frente no que tange à inclusão na prática.

“Direito não é privilégio”. Adriana Bôas, mãe de Daniel, de 14 anos, tornou-se militante da causa autista quando descobriu que seu filho estava no espectro. Os primeiros sinais foram as poucas horas de sono, movimentos repetitivos e sensibilidade muito acima da média a barulhos. Daniel tinha 3 anos e meio.

A família morava no município de Colatina, no Noroeste do estado, e foi lá que a busca por profissionais para atender Daniel começou. Vale destacar que pessoas dentro do espectro precisam ser acompanhadas por equipe multidisciplinar para que possam se desenvolver da melhor forma possível.

“Na época, não tinha neuropediatra em Colatina. As consultas em Vitória com esses profissionais eram bem caras. Uma semana depois de ter um pré-diagnóstico de autismo dado pela equipe da prefeitura, uma neuropediatra chegou a Colatina e se ofereceu para atender meu filho de graça. Foi provisão divina”, recorda a mãe de Daniel.

Mãe e filho foram encaminhados à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Colatina, onde funciona o Centro de Tratamento de Autismo (CTA). Lá, o paciente é atendido por psicólogo, fonoaudiólogo, pedagoga, psicopedagoga e terapeuta ocupacional. “Levei o encaminhamento para a Apae. Fui atendida em duas semanas. Foi um milagre de Deus porque essa não é a realidade da maioria das mães. Há escassez de políticas públicas”, pontua Adriana.

Encontrar um psiquiatra não foi tão fácil. “Lembro que na época eu quis procurar um psiquiatra para o Daniel. Eu deixei o encaminhamento na Secretaria de Saúde de Colatina. Daniel tinha 4 anos. Hoje ele tem 14. Nunca fui chamada. A realidade é dura, é cruel.”

Lays Cerutti, mãe de Enrico, conta que também teve dificuldades em conseguir os serviços de saúde necessários para o filho, diagnosticado com autismo quando tinha um ano e meio:

“Ficamos anos na fila de espera para conseguir entrar na Apae. Neuropediatra pelo SUS? Esquece! Até hoje estou aguardando e olha que ele está dentro da Apae na fila de espera por uma consulta. Enrico já está com seis anos”.


Políticas públicas

Para Lays, falta às autoridades mais respeito com a população, principalmente com as pessoas com deficiência. Adriana concorda e chama a atenção ainda para o uso da causa para autopromoção:

“Vejo o romantismo que alguns políticos fazem. O símbolo do quebra-cabeça, a fitinha azul. Isso é muito bonito. Mas é preciso que venha acompanhado de políticas públicas e elas vão muito além de ter os especialistas. É preciso ter equipe pedagógica em sala de aula preparada, é preciso um ambiente na escola regular para que o aluno com TEA seja respeitado pelos colegas. A política pública minimiza o sofrimento da família e da pessoa com autismo.”

Acesso à educação

Além das dificuldades de acesso aos serviços de saúde, a escola costuma ser um ambiente em que as famílias dos autistas enfrentam obstáculos, desde a matrícula até o acolhimento pelos colegas e professores.

“Já tive dificuldades com escolas tanto em Colatina quanto em Vitória. Quando mudei para Vitória, busquei a escola mais perto da minha casa. Eles alegaram que não tinha vaga. Levei o laudo e expliquei que meu filho precisa ficar perto de casa, do que ele conhece. Afinal, tudo afeta o sensorial dele. A lei garante acesso à escola mais próxima”, declara Adriana.

A experiência de Lays também foi difícil. “Assim que o pré-diagnóstico veio, com instrução do neuropediatra, tentamos vaga em uma creche no bairro Parque das Gaivotas, em Vila Velha. Porém, a matrícula foi negada. Fui informada que lá não atendia criança nessa faixa etária, porém eu conheci uma mãe com o filho da mesma idade que o meu que estudava lá”, conta a mãe de Enrico.

Lays buscou a Defensoria Pública e seu caso chegou ao Conselho Tutelar. Entretanto, foi indeferido. A solução foi mudar de município: “Vim para a capital. Aqui, sim, meu filho teve a inclusão garantida por lei. Quando meu filho iniciou as aulas na creche ele já tinha a cuidadora dele lá”, conta.

A legislação à qual as mães se referem foi publicada em 2012 e é conhecida como Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012). A norma, que leva o nome da mãe de um jovem autista, fixou as diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e estabeleceu que elas são consideradas, para todos os efeitos legais, pessoas com deficiência.

A norma determina que o gestor escolar ou autoridade competente que recusar a matrícula de aluno com TEA, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 a 20 salários mínimos e responderá tanto na esfera criminal como cível.

Bianca Borges, advogada especializada em direito dos autistas, explica que a negativa da escola em realizar matricula de pessoa em razão de sua deficiência é crime de discriminação, podendo ser punido com reclusão, segundo outra lei que o protege os autistas: o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

O estatuto, como é conhecida a Lei 13.146/2015, considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Além da matrícula garantida, em casos de comprovada necessidade, a pessoa com TEA incluída nas classes comuns de ensino regular, terá direito a acompanhante especializado sem custo extra para os pais. É o que alerta Bianca:

“Esse acompanhante é de responsabilidade da instituição de ensino, não devendo de maneira alguma ser imputado esse custo aos responsáveis. É o que determina a Lei 12.764/2012 [Berenice Piana]. Vale lembrar que há necessidade de comprovação da condição por laudo médico”.

A advogada orienta ainda que se os pais desconfiarem que houve qualquer tipo de discriminação no ato da matrícula podem imediatamente proceder com uma denúncia no Ministério Público e procurar um advogado especializado na área para propor as ações cabíveis.

Isolamento social

Além das dificuldades de acesso à saúde e à educação, as famílias das pessoas com TEA também lidam com a segregação social. É o que conta Adriana Bôas:

“Na sala de aula, os pais dos demais alunos reclamaram da presença de Daniel. Já falaram que meu filho atrapalhava o andamento da aula. Em razão da sensibilidade sensorial, Daniel reclamava do barulho dos colegas. Mas isso deveria ser louvável”, pontua.

Adriana completa com um exemplo de tratamento diferenciado. “Se fosse um aluno arteiro, os pais seriam chamados para conversar. Mas com um autista, dizem que ele não está se encaixando”, lamenta. Ela conta que o filho já passou discriminação tanto com amiguinhos quanto com professores e que ele não é convidado para algumas festas de aniversário.

A mãe de Daniel chama a atenção ainda para o papel social da escola: “Cabe à escola entender que a sala de aula é uma amostra da sociedade lá fora. Que sociedade é essa que eu quero que seleciona quem entra em uma escola pública que tem pagador de imposto autista? Ele paga e não pode usufruir do direito? Eu não aceito.”

Lays e Enrico também vivem na pele esse isolamento. “Às vezes ocorre um olhar diferente para os comportamentos do meu filho. Tem pais que tiram o filho de perto. Mas o que mais me deixa frustrada é ter que sempre justificar o assento preferencial no transporte público ou a fila presencial.”

Cultura e lazer

O Estatuto da Pessoa com Deficiência determinou que o poder público deve promover a participação da pessoa com deficiência em atividades artísticas, intelectuais, culturais, esportivas e recreativas, com vistas ao seu protagonismo.

Dentre as obrigações estão a garantia da acessibilidade nos locais de eventos, assegurar a participação da pessoa com deficiência em jogos e atividades recreativas, esportivas, de lazer, culturais e artísticas, inclusive no sistema escolar, em igualdade de condições com as demais pessoas.

O estatuto estabelece ainda que nos teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, locais de espetáculos e de conferências e similares, serão reservados espaços livres e assentos para a pessoa com deficiência, de acordo com a capacidade de lotação da edificação, observado o disposto em regulamento.

Cumpre ressaltar que os espaços e assentos devem ser distribuídos pelo recinto em locais diversos, de boa visibilidade, em todos os setores, próximos aos corredores, devidamente sinalizados, evitando-se áreas separadas de público e obstrução das saídas, em conformidade com as normas de acessibilidade.

Pessoas autistas, por serem consideradas pessoas com deficiência, também têm direito a fazer uso das vagas preferenciais em estacionamentos de locais públicos ou privados, através do uso da credencial no veículo, que pode ser solicitada pela internet.

“A Lei nº 13.146/2015 [Estatuto da Pessoa com Deficiência] estipula que estes estacionamentos deverão reservar ao menos 2% das vagas para deficientes. E, em caso de locais com capacidade para menos de 100 veículos, pelo menos uma vaga deve ser destinada para esse público”, explica Bianca Borges.


Mercado de trabalho

Na opinião de Adriana Bôas, a maior dificuldade que a comunidade autista enfrenta hoje é a inserção no mercado de trabalho: “O autista quer se sentir útil, quer contribuir com o estado, quer pagar imposto.”

A inclusão de autistas no mercado de trabalho é garantida pela Lei Berenice Piana e também pela Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência, que determina a participação mínima no mercado de trabalho para pessoas com qualquer deficiência. É o que destaca Bianca:

“Segundo a referida legislação, a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou com pessoas com deficiência”.

A advogada ressalta, ainda, que a empresa contratante deverá estar atenta em relação às singularidades do autismo que são bastante individualizadas e heterogêneas, e, assim, entender quais tipos de atividades são mais adequadas para aquela pessoa. “O grau de suporte de autismo de cada pessoa é sempre identificado pelo profissional da área médica que o assiste”, explica.


Em 2020, a Lei 13.977/2020 alterou a Lei Berenice Piana e criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). O documento busca garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. A carteira tem validade de 5 anos.


Os responsáveis pela pessoa com TEA também gozam de direitos específicos.

O funcionário público federal já tem seu direito garantido por lei à redução de carga horária, sem redução salarial ou compensação de horário, de acordo com a Lei 8.112/90. Caso o servidor seja municipal ou estadual, quando não houver previsão legal local sobre o assunto, poderá aplicar por analogia a referida legislação.

Há também facilidade para adquirir automóveis tanto pelas pessoas com deficiência quanto por seus representantes legais. Eles são isentos de ICMS, IPVA, IPI e IOF. 


O Benefício de Prestação Continuada – BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), que consiste na garantia de um salário mínimo por mês, é outro direito das pessoas com deficiência.

São contempladas pessoas de qualquer idade - desde que a condição gere impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos 2 anos) - impossibilitadas de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

É importante destacar que o BPC não é aposentadoria, visto que para ter direito a ele não é preciso ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O BPC também não paga 13º salário e não deixa pensão por morte.

Para ter direito ao BPC, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que 1/4 do salário-mínimo e passar por avaliação médica e social no INSS.

Os benefícios destinados às pessoas com deficiência não são tributados para efeito de imposto de renda (IR).

Além disso, uma vez comprovadas as necessidades financeiras da criança com autismo, seus pais podem resgatar o FGTS, por enquanto, somente por ação judicial. 




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